segunda-feira, 4 de maio de 2020

Gaguejamos nós?

Gaguejamos nós?


Tradução de postagem extraída em didistutter.org


Dentre todas as coisas que a gagueira é, provavelmente ela é em primeiro lugar uma quebra na comunicação. Gagueira é uma interrupção no fluxo regular de como as palavras são pronunciadas-- e, tão importante quanto-- como as palavras são ouvidas por aqueles que nos estão ouvindo.

Eu tinha um trabalho borrifando ervas daninhas dois verões atrás e trabalhei com um cara chamado Mike: bem conhecido de todo mundo, sempre com uma história na ponta da língua e trinta anos empregado. Estacionados em um trator velho e empoeirado, Mike e eu estávamos esperando uma pancada de chuva até que ela finalmente veio. No meio da minha algo alongada sentença, ele de repente irrompeu com um “Ãh?” Eu cuidadosamente me repeti tentando não gaguejar, e de novo “Que?” Isso aconteceu algumas vezes. Enquanto eu trabalhava arduamente para falar e ser entendido, Mike não fez algum esforço para ouvir, nem se incomodou em fazê-lo. Nesse momento eu foi preenchido com a repentina e fulminante compreensão que eu não gaguejei sozinho, e nem poderia fê-lo. O gaguejar é, ao contrário, realizado entre um falante e um ouvinte. Ou, se se quer insistir que a gagueira é uma interrupção na comunicação, é uma quebra que ocorre entre o falante e o ouvinte. 


Se isso é verdade, então porque os falantes disfluentes carregam toda a carga de responsabilidade por ‘quebrar’ a comunicação? Por que somos nós os ensinados a se sentir envergonhados quando o processo de comunicação se alonga? Porque somo nós os ensinados a abominar nossa fala (e muito frequentemente, nós mesmos) porque os outros não querem fazer um esforço extra e despender um pouco mais de tempo para nos ouvir? Se a comunicação é uma interação entre falantes e ouvintes, então o gago sozinho não deveria ser o único marcado como anormal ou deficiente. Tem um sentido real em que ouvintes que ‘deficientizam’ nossa fala em se recusando a tomar responsabilidade no papel comunicativo, sejam eles os comunicadores ‘com defeito”. Nos comunicamos juntos; portanto, gaguejamos juntos. 


Naquele trator borrifador dois verões atrás, pela primeira vez ao invés de sentir vergonha da minha gagueira, uma resposta totalmente não familiar transbordou em mim: raiva de ser ignorado, raiva de ser excluído. 


A compreensão que são necessários dois para gaguejar anunciou um câmbio em como eu deveria entender minha deficiência e a resposta dos outros. Eu entendi que a gagueira e a vergonha que ela causa não poderia ser propriamente entendida pele mera dificuldade de vocalizar determinados sons. Compreender que minha maneira de me comunicar é interpretada como anormal e como uma deficiência pelos outros porque ela conflita com um conjunto particular de valores e estruturas sociais, me fez perceber que gaguejar não é primariamente sobre eu falar ‘errado’, mas uma maneira de discriminação capacitista. Esse entendimento me permitiu reinterpretar minhas experiências pretéritas bem como minha identidade atual, relações e objetivos. Dizer que isso foi empoderador seria uma subestimação.


Por: Josh
Tradução: Renato
Link para a publicação original: https://www.didistutter.org/blog/did-we-stutter


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Da Gagueira Encoberta para a Solidariedade

Da Gagueira Encoberta para a Solidariedade 

Traduzido do site didistutter.org

Eu não me lembro exatamente quando eu ouvi ou li pela primeira vez sobre “gagueira encoberta”, mas não faz assim tanto tempo. Pode parecer surpreendente porque eu a escondia durante a maior parte dos meus 20 e do meus 30 -- E simplesmente não percebi. Eu realmente achava que eu tinha “combatido” a gagueira, eu achava que os truques que eu usava --troca de palavras, pausar para aliviar a tensão, uso de interjeições e evitar um monte de situações de fala -- era o que eu supostamente deveria fazer. Os dias que eu conseguia ir sem qualquer gagueira eram sucessos e os dias em que eu gaguejava, fracassos completos. Eu também evitava tudo o que tinha a ver com gagueira: artigos, sites, podcasts. Eu até evitava um colega super legal que gaguejava. Eu sentia como se mesmo pensar sobre isso poderia revelar que eu ainda era uma pessoa que gaguejava. Eu só queria que isso ficasse para trás.

Eu comecei a gaguejar quando eu tinha mais ou menos 4 anos. Meus pais não se desesperaram já que meu pai também era gago, mas ainda assim eles me colocaram na fonoaudióloga desde o jardim de infância. Eu continuei nela todo o ensino fundamental I e até parte do parte do II. Eu decidi parar na 7ª série porque ela não estava mais ajudando, e francamente, eu a odiava. Eu podia até usar algumas técnicas na sala de terapia, mas tão logo eu estava lá fora no mundo real, elas pareciam impossível. No ensino médio, eu percebi como poderia fazer frases que evitassem palavras  com as quais eu sabia de antemão que gaguejaria. Na sala de aula eu era quieta e anti-social com meus colegas. Eu até comia meu lanche na sala de artes onde eu podia ficar sozinha e desenhar.

Na faculdade de artes eu fui tomada de ansiedade. Foi a primeira vez que eu estava longe de casa e sentia que aquele sentimento de falta de controle sobre minha fala tinha voltado. Minha mãe tentou me empurrar para a fono de novo. Dessa vez eu tinha aprendido como identificar minha tensão e como relaxar usando pausas e retomadas de fala vagarosas. Eu consegui aplicar essas técnicas fora da sala de terapia e as adicionei ao meu arsenal de maneiras para não gaguejar. Eu vivi assim por anos, mais de uma década na verdade. Eu ainda tinha palavras que eu sabia estavam aquém dos meus limites e eu gaguejava às vezes, mas eu passava batido por elas como ‘disfluências típicas’. Eu vivia externamente como uma pessoas fluente. Entretanto, internamente eu era uma pessoa nervosa e fragilizada. Eu estava constantemente com medo de me revelar como uma pessoa que gaguejava. Por causa disso, eu me privei muito da minha vida. 

É difícil para mim dizer o momento em que eu decidi que estava farta. Muitos eventos coincidiram, a começar com a morte repentina da minha mãe. Foi um momento tão estressante que eu não podia disfarçar. Outro foi quando meu pai foi diagnosticado com Alzheimer e se mudou em seguida para Chicago para estar perto de mim. Ouvi-lo gaguejar me conscientizou mais de meu próprio esforço.

Mas o evento pontual mais importante foi quando minha colega que gaguejava mudou para meu departamento e eu de repente tive que interagir com ela diariamente. Como tudo o que envolvia gagueira, eu a tinha evitado por anos. Eu tinha medo que ela reconhecesse minha meu jeito estranho de falar, porque era uma fraude. Eu achava que ela podia me ‘revelar’ ou pelo menos me confrontar e perguntar porque eu a escondi tanto tempo que gaguejava. Eu despendi semanas tentando adivinhar porque a expressão facial dela cada vez que eu abria a boca. Não faz mais ou menos um ano que eu sentei e fiz minha confissão em lágrimas a ela. Ela me disse que, honestamente, nunca tinha reparado nada uma vez que sempre estava focada em sua própria fala . Ela também me disse o quão feliz estava por eu ter sido capaz de falar com ela. A sua resposta elegante me ajudou a ver que eu não tinha nada sobre o que ter vergonha. Foi essa confissão, e o imenso senso de alívio que senti depois, que me ajudaram a perceber que eu precisava acabar essa farsa.

A comunidade gaga me abraçou imediatamente, do momento em que eu quis me identificar como uma pessoa que gagueja. Primeiramente eu encontrei pessoas pelo NSA (National Stuttering Association-Associação de gagueira americana) e pelo StutterSocial (Encontro virtual sobre gaguez anglófono). Eu comecei a ler tudo o que eu conseguia encontrar (a maioria inútil) e passar horas escutando podcasts. Eu comecei a enviar mensagens a pessoas cujas ideias me interessavam e tive a chance de encontrar muitas delas quando fui no encontro nacional verão passado em Atlanta. 

Através de todas essas conversas eu encontrei muita base comum, especialmente entre as mulheres, muitas das quais também viviam encobertas. Na verdade, quase todas as mulheres com as quais eu falei viviam encobertas por pelo menos parte de suas vidas, e muitas, como eu, pela maior parte de suas vidas. Eu me perguntava se era mera coincidência ou se as mulheres têm tendência a viverem escondendo sua gagueira com mais frequência. Eu falei com um amigo que tinha feito uma pesquisa com gagueira encoberta (mas não nesta área específica) e ele supôs que as mulheres têm padrões sociais diferentes dos homens, especialmente no que tange à aparência e à apresentação. Junto com padrões de beleza, forma corporal e reputação, as vozes das mulheres tem sido objeto de fiscalização por gerações. Por isso, não é surpresa que as mulheres que gaguejam sintam pressão adicional para conformar em normas sociais sobre como devem soar. Espera-se que mulheres sejam delicadas e tenham compostura. Gaguejar pode, às vezes, estar em conflito direto com isso. 

Um outro fator que esse meu amigo sugeriu seria que as mulheres talvez tenham memória verbal mais forte. Eu fiz algumas pequenas pesquisas e realmente achei que quaisquer diferenças de performance cognitiva entre mulheres e homens são provavelmente devido a fatores culturais e societais, ao invés de diferenças em gênero verdadeiras, mas isso não muda o resultado. Mulheres podem mudar o vocabulário mais facilmente e possuem vocabulários de trabalho maiores. Disfarçar a gagueira pode ser o resultado de pressões sociais  e as mulheres podem ser encorajadas a usar habilidades de evitação que desenvolvem ao longo do tempo. O que realmente me atinge de maneira triste é que enquanto uma garota ou mulher segue escondendo sua fala, ela não pertence a nenhum dos mundos: nem o gago nem o fluente. Ficamos presas em um limbo de negação e desonestidade. Esse é um lugar doloroso e debilitador de se estar. 

Estou muito feliz de ter chegado neste ponto de não só estar confortável de ser uma pessoa que gagueja, mas também orgulhosa. Eu vejo isso com umas das minhas características mais únicas e interessantes bem como um trunfo. Eu tento não morar muito nas escolhas que eu fiz na primeira parte da minha vida adulta, porque eu não tinha outra opção. Num certo sentido, eu apenas estava me conformando às expectativas culturais. Não posso fazer nada, mas me pergunto todavia: se as mulheres são mais prováveis de encobrirem sua gagueira, como eu, e vivem boa parte de suas vidas dessa maneira, será que na verdade pode haver mais mulheres que gaguejam do que o que é correntemente identificado estatisticamente? Se os dados só são extraídos daqueles que se auto-identificam ou das pessoas que participam dos estudos, então presumivelmente os gagos encobertos estariam excluídos.

A sociedade deve mudar a maneira como ela critica todas as vozes, mas as vozes das mulheres em especial. Nós somos frequentemente alçadas a um alto padrão e encorajadas a mudar como aparentamos e como soamos para conformar ideais sociais de beleza e apresentação. Mulheres e meninas que gaguejam são particularmente vulneráveis porque nós temos uma diferença adicional na maneira em que falamos. Nós somos censuradas e silenciadas devido à expectativas capacitistas sobre como devemos soar. Nós somos convencidas a comprar a ideia que a fluência é um ideal e como resultado, várias de nós procedemos por evitar uma grande parte de nossas vidas. Progressos foram feitos em termos de beleza e imagem corporal. É hora de dizer às meninas e mulheres que suas vozes são dignas de serem ouvidas do jeito que elas são.

Por: Elizabeth
Traduzido por: Renato 

Cada palavra que eu digo é resistência

Cada palavra que eu digo é resistência


Tradução de postagem originalmente publicada em: didistutter.org

Ao descrever minha experiência com ativismo disfluente, dentre as primeiras coisas que eu falo para as pessoas é que o trabalho que eu faço é amplamente crítico da fonoaudiologia. Eu gostaria de não ter que dizer isso.

Enquanto eu afirmo o direito de qualquer pessoa de procurar a terapia que escolher para si mesma, eu estou aliviada que quando criança consegui evitá-la. Não sou crítica da fonoaudiologia para não ser contraditória. Eu gostaria de poder descrever a disfluência e o Did I Stutter (site original da publicação) e o porque eu acredito nesse trabalho para além de sua relação com a fonoaudiologia. 

Eu quero que meu trabalho seja sobre falar em meu modo selvagem, minha voz indomada. Eu quero ler poemas em minha voz não domada e revelar o fato que ninguém mais soará exatamente como eu. Eu quero encontrar outras pessoas com vozes indomadas e escutar o mundo que elas estão construindo com suas vozes. 

Mas minha voz não existe em um espaço político neutro. A fonoaudiologia se reivindica expertise sobre a gagueira e me diz que eu não deveria ser orgulhosa de ser disfluente. A maior organização sobre gagueira de meu país investe em pesquisas que previnem que como a minha existam no futuro. No grupo de auto-ajuda, eu digo: “Eu gosto mais do jeito que falo quando estou disfluente” e a fono fluente me lembra que eu não falo por todos na sala. 

Eu dou instruções para a fono de meu trabalho e ela me interrompe para me dizer que posso tomar o tempo que precisar. Eu falo sobre gaguez e ativismo por uma hora e depois um estranho da audiência me pergunta se eu tentei Lidcombe. Ou bolinhas de gude quentes. Ou cantar meus pensamentos ao invés de dizê-los. 

A fonoaudiologia tem o discurso hegemônico sobre o tema da gagueira. Ela usa esse controle para me dizer que eu poderia soar menos torta se eu me cedesse e deixasse-me assimilar. Tudo o que eu faço com minha voz indomada e em nome da diversidade comunicativa é crítico desse poder. Cada palavra que eu falo é resistência. 

Por: Erin
Trazduzido por: Renato

>>Para conferir uma poesia da Erin, veja esse vídeo:

>>Para sua versão lusófona, eis o vídeo:




quarta-feira, 4 de maio de 2016

Não pensar sobre

Devido a prova de chinês e outras coisas faz tempo que não tenho lido sobre gagueira. Nestes ultimos meses tenho experienciado um momento de pouca disfluência e tenho lidado bem com isso. Hoje eu sai pra comprar uma panqueca chinesa e me sentei nuns bancos, ao lado de pequeno córrego d’água artificial. Duas garotas ocidentais se sentaram ao meu lado e puxaram assunto. A conversa fluía e dei algumas travadas. Depois fiquei pensando sobre o ocorrido. Decidi escrever este post acerca das minhas conclusões. Como eu disse, os últimos meses tem sido tranquilos para mim, sem grandes desafios emocionais em relação a minha maneira de falar. O diálogo com as garotas me relembraram do sentimento de insegurança e vergonha. Rapidamente eu evoquei toda literatura e base teótica que eu já construi para comrpeender os meus sentimenos. Uma coisa legal que eu percebi é o quanto de tempo que a gagueira ocupava meus pensamentos. Se há um ano atrás eu pensava nisso várias vezes ao dia, ultimamente eu quase não tenho pensado, mesmo que eu tenha gaguejado. O resultado disso foi mais fluência e menos estresse cada vez que a fala se mostrava ‘irregular’. Vejo isso como grande vitória e um hábito a ser mantido. Para um fluir mais natural é preciso eliminar as barreiras da mente, e aceitar todas os acidentes de percurso.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Capacitismo parte 3- Gagueira e capacitismo

O que a gagueira tem a ver com capacitismo?

Tudo a ver. Quando se tenta fazer um gago falar ‘fluentemente’, basicamente o que se está fazendo é normativizando-o. Adequando-o no padrão fluocêntrico, segundo o qual há um ritmo de fala adequado, nem muito devagar nem muito rápido, no qual todas as falas devem idealmente fluir. É o modelo usado na televisão e na rádio, e está estatisticamente mais representado na população. Ao idealizar essa fala,  cria-se dois polos opostos, um onde reside o ideal de fala perfeita, bonita e clara, que assim como o corpo perfeito, vira alvo de desejo, e um outro para as falas desviantes de gagos, fanhos, lingua-presa, etc...falas ‘imperfeitas’.
Como sabemos  a gagueira não é igual todos os dias, em todas as situações, pelo contrário, ela responde à muitas variáveis. A natureza rebelde da gagueira sabota nosso gosto e frustra o desejo de submissão do corpo à vontade e à adequação forçada. Ao contrário da rouquidão ou da coriza, bem como outras reações do corpo ao abuso ou mal-estar, a voz do gago é petulante, indo contra a premissa capitalista de (auto)controle e padronização. Assim, muitos veem gagos como pessoas sem autocontrole suficiente, fracos, burros e incompletos, portanto não são boas peças para o sistema de produção no qual estamos inseridos. Na esperança de falar ‘fluentemente’ muitos mergulham nos exercícios fonoaudiológicos para decepcionarem-se, pois cada vez que recaem sentem a frustração de não conseguirem domar sua fala e descobrem que a gagueira é muito mais que um simples fenômeno articulatório ou ritmico.
Quando não somos escutados porque somos gagos, estão dizendo que nossa voz não merece ser ouvida, não estamos no polo privilegiado da fluência.Além do histórico de ridicularização ao qual somos submetidos temos que escutar dos outros (supostamente bons falantes) que somos mal falantes. Uma conjunção de fatores nos dizendo que há algo de errado com nossa fala,nos encorajando a vigiar cada frase, as vezes cada sílaba a ser proferida. Um verdadeiro inferno psicológico. Ao invés de nos sentirmos confortáveis com nossa fluência, permeada de silêncio e colorida de repetições, aprendemos a odiá-la e evitá-la ao máximo, para poupar dos outros alguns minutos. Nos dizem que se quisermos ser ouvidos com seriedade, devemos abandonar nossa expressão natural e imitar a fala dos outros, supostos bom comunicadores.Numa sociedade em que tempo equivale a dinheiro, onde tudo caminha para a padronização e ideias eugenistas são direcionadas aos ‘deficientes’, os falares desviantes são tidos como naturalmente imperfeitos. Vivemos numa sociedade que prima a competição entre as vozes, onde quem vence é aquele que melhor fala a língua do capital. Sob os ditâmes de um higienismo vocal as falas aberrantes são enviadas ao tratamento médico para serem equalizadas sob a pena de serem escarnecidas e ignoradas. Aquele cuja voz escapa ao alcance da intervenção médica está sujeitos à violência simbólica, psicológica e mesmo física.


Escuta ativa



No diálogo escutar é tão importante quanto falar. No Ocidente tendemos a acreditar que escutar é uma ação puramente passiva e neutra. Mas não. Aquele que escuta tem expectativas sobre o que ouve, coleta ativamente o que ouve segundo suas experiências anteriores. Quando uma pessoa com um sotaque menos popular fala a uma grande massa de pessoas de outra região (com outro sotaque), ele tende a ser marcado e muitas vezes até criticado porque é dificil entender o que ele está dizendo. Mais uma vez os ouvintes que são a maioria estatística passam como neutros, e por isso se colocam numa posição de critica do outro. De maneira semelhante, os falares com diversidade funcional são escutados como anormais. Quando um ouvinte completa nossas frases e está apressado, ele está dando sua parcela de contribuição para minar a conversa baseado em suas expectativas, mostrando-se assim inflexível na sua maneira de conversar. Se conversar é um ato que envolve duas pessoas e é de natureza dialética, o gago não é o único responsável pelo sucesso da conversa.
Muitos gagos se lembram que na infancia gaguejar não era um problema à comunicação e para fazer amizades, sendo apenas na adolescencia que a gagueira tornou-se um incômodo. Isso acontece porque conoforme as crianças se tornam maiores vão absorvendo cada vez mais o modo de pensar da sua sociedade, neste casode inferiorização e discriminação do diferente. No dia a dia aceitamos a culpa de nossos diálogos interrompidos e dos problemas decorrentes da gagueira, como os momentos de depressão. Todavia, nos lembremos que  em nossa sociedade,  esse discurso de culpabilizar a vítima pela agressão sofrida é recorrente. Não é díficil escutar alguém dizer que se aquela mulher não estivesse com um vestido tão curto não teria sido estuprada ou que se aquele garoto não agisse como mulher não precisaria enfrentar preconceito nenhum. O problema não reside nas pessoas em si, mas sim no tratamento que a sociedade dá ao que não considera normal segundo seus padrões estanques.
O discurso médico aqui reinforça a crença de que gagueira é uma doença, conquanto não considera o fator social da gagueira. Ao se mesurar a gagueira com instrumentos afim de quantificá-la, se contribui para sua objetificação, como se ela fosse um parasita da fala, reinforça que há algo errado naquele falar que deve ser realinhado. Alguns gagos se referem a gagueira na 3ºpessoa, como se ela fosse algo ao invés de uma característica da sua fala, motivando o desejo de retirá-la de sua voz, dificultando aceitá-la como sua.


Gaguejar pode ser belo

Há pessoas que se privam do direito de falar para poupar o outro do incômodo de lhes escutar. Nestas situações cabe a nós sermos tão desafiadoes quanto nossa fala e firmamos nosso lugar. Se seguirmos a opnião dessas pessoas seria necessário proibir pessoas com diversidade funcional desaírem às ruas, casais gays de demonstrarem seu amor e negros de tocarem certas pessoas simplesmente pelo fato que elas não toleram diversidade e se sentem incomodadas. Quando damos ao outro o direito de julgar se falamos bem ou não segundo seu modo de entender o mundo furtamos de nós mesmos a chance de encontrar no falar gago a sua beleza. Acreditando que apenas as falas que se ajeitam em modelos estreitos merecem nossa apreciação, desperdiçamos a chance pioneira de descosbrir a beleza e o ritmo natural de nossa fala


Performance

É interessante que se por um lado não se espera que um cego realize uma tarefa do mesmo modo que um vidente, mas muitas vezes espera-se que um gago tenha a mesma performance que um ‘fluente’. Isso tanto reflete ignorância sobre a natureza da gagueira como mostra a tentativa de normativizar a fala do gago. É algo semelhante ao que os gordos e dislexos enfrentam, pois é comum atribuir sua condição por preguiça e falta de controle sobre si mesmos, independentemente da fisiologia particular do indivíduo.  
A pressão para falar como um fluente apenas gera desconforto. Me lembro de estar fluente ao encontrar com pessoas novas em festas ou ir num encontro e sentir uma pressão interna para não gaguejar receiando parecer ridículo ou que isso pudesse me fazer menos interesse. Nestas situações, eu interpretava que passar-me como fluente servia como um prerequisito para a aceitação do outro.


Ao aplicarmos uma visão crítica e rever nossa própria história podemos nos  instrumentalizar em prol da legitimação de nossa própria experiência. Falamos nosso próprio 'dialeto' FLUENTEMENTE. A homogeneização e inferiorização das falas desviantes se fundamentam em ideias capacitistas. Segregar espaços onde admitem-se gagos e outros onde sua presença e expressão é inadmissível, é agir na mesma base de raciocínio que segregou legalmente mulheres e negros.
É possível ser gago e ainda sim ter diginidade e orgulho de si mesmo. É hora de desconstruir as ideias equivocadas da realidade baseadas em modelos materialistas, reducionistas e opressivos em prol de nossa libertação e afirmação.
Precisamos afirmar nossas vozes como legitímas e dignas de serem escutadas!

Capacitismo parte 2- Breve Histórico


Como já exposto na outra postagem, a visão de mundo das pessoas influencia na maneira como as coisas são interpretadas, inclusive na religião e na ciência.
Na medicina e na psicologia o entendimento de normalidade e patológico é nuançado pela cultura em que está inserida. Os psiquiatras do séculos XVIII e XIX tinham compulsão em isolar e nomear novas doenças, tendências que se estende até hoje. Uma doença só é vista como tal a partir do momento que alguém a compara com outra situação e a rotula como algo errado. Até que ponto aquele monte de novos disturbios que acometem as crinaças em idade escolar realmente demandam medicação? Uma nova doença pede novo tratamento e pede um médico, dando emprego pros médicos1. Vale lembrar também que até 1973 a homossexualidade era considerada doença pela Associação Americana de Psiquiatria (ah sim, tem quem pense isso até hoje, meus pêsames pra eles) por influência da religião, costumes e tal.
Os corpos, mentes e falas que desviavam do ideal de ‘perfeito’, este mesmo carregado de ideais europeias, são submetidos à correção para se adaptarem à socidade, ou seja, normativizados. A realização do ser humano só podia ser atingida dentro da forma idealizada. Com esse objetivo a medicina reabilitadora submeteu cegos, surdos, disléxos, autistas, fanhos, gagos, downs e loucos aos seus procedimentos, sem lhes oferecer uma via alternativa de inserção na sociedade tal qual como se é, sendo assim a via do adequamento o único caminho trilhável. Felizmente, o avanço do conhecimento e a interdiciplinaridade indentificam e corrigem os equívocos do passado e trabalham para o progresso da sociedade.

Abordagens

Resumidamente, as diversas abordagens para com os deficientes podem ser divididas em três grupos: .
1-modelo eugenésico e marginalizador
Este modelo interpreta a deficiência como um castigo divino. A vida de um deficiente não vale a pena ser vivida, devem ser relegados a marginalidade e estão condenados à caridade.
2- Modelo médico-reabilitador
Ainda hoje é o que se concebe por muitas pessoas. Segundo esse modelo, a deficiência, e por isso mesmo seu nome, é entendida como um déficit fisiológico, rementendo então a uma doença. Cada pessoa é uma individualidade que precisa ser corrigida. Para este problema a medicina figura como a faca normativizadora, cujo papel é adequar os corpos desviantes na forma rígida da perfeição. Se dá a institucionalização da educação especial, a qual se apresenta como uma ferramenta inevitável para a reabilitação e recuperação dos corpos, mentes e falas desviantes. Neste modelo, a visão da sociedade para com os deficientes é paternalista, caritativa e assistencialista. A causalidade passou de um castigo divino ao substrato fisiológico, no alcance da intervenção médica.
Quando os soldados da primeira guerra retornaram, a grande quantidade de mutilados foram acolhidos nesse modelo. Nas décadas seguintes, os deficientes foram apartados do convívio social em clínicas de tratamento e sob os ditâmes médicos.
3-Modelo social
Na década de 60, com a promoção da filosofia de vida independente, emerge nos Estados Unidos um movimento de dificentes que se rebelam contra a medicalização de seus corpos, institucionalização e a marginalização que lhes é imposta. Segundo este modelo, a deficiência não está mais nos corpos, mas nas estruturas sociais que comportam as reais necessidades dos deficientes, os marginalizando e excluindo da vida coletiva. Desde modo, a deficiência passa do individual para o coletivo. Assim, em grande parte, é o contexto social que contribui para a construção de um determinado sentido e práticas associadas; um contexto  onde os espaços físicos são inadequados e os estereótipos discriminatórios. Dever-se-ia então, tratar a sociedade para que atenda a necessidades de todos. Este modelo se aproxima dos ideiais de direitos humanos, buscando propiciar a todos igualdades de oportunidades e liberdade pessoal, contribuindo para a realização de uma cidadania plena.
4-Diversidade Funcional
Depois de muita lucubração do modelo social, alguns pontos falhos do modelo foram indentificados. Tanto o modelo médico  quanto o social focam na ausência  de algo que supostamente se deveria ter, o próprio termo deficiente enfatiza a negação. Assim, este modelo revoluciona no entendimento do corpo estatisticamente menos representado como uma possibilidade original, potencialmente criativa e enriquecedora para a Humanidade. Para tanto cria-se uma terminologia mais adequada: DIVERSIDADE FUNCIONAL. O discurso de inclusão da diversidade normalmente sustentado em relação a religiões, etnias, línguas, diversidade de gênero etc, passa a incluir também a diversidade de corpos, mentes e falas estatisticamente desviantes. A visão tradicional do normal e do patológico é desafiada a deixar seus velhos padrões de lado.


Assim, seguindo a nova tendencia, neste blog o termo deficiente e deficiênca serão substituídos por Diversidade Funcional. Mais uma vez digo, recomento que vocês não fiquem apenas com essa leitura, expandam seus conhecimentos e reflitam. A gagueira tem muitos lados, e isso que faz ela tão desafiadora. Se por um lado há um componente psicológico intricado, por outro o componente social contribui para sua marginalização.

Modalidades de diversidade funcional

Existe vários modalidades de diversifade funcional:
Mobilidade- Cadeirantes, pernetas, mancos
Sensorial-  Cegos, surdos, surdo-cegos
Fisiológica- Intolerância a lactose, imunodeprimidos, incontingência urinária
Fala- Aqui é onde entra a gagueira- dá pra pensarmos em subcategorias como   
ressonância- fanhos
articulação- língua-presa
   ritmo- gagos
Cada especificidade são oportunidades para o desenvolvimento Humano, assim como a diversidade de línguas e hábitos nos dão pistas sobre universais humanos e nos maravilham com maneira alternativas de ver o mundo. Um cego tem uma experiência de mundo e da realidade diferente da de um vidente; o cérebro de um surdo que usa língua de sinais tem algumas difenças das de um ouvinte; a maneira que um surdo-cego experiencia uma viagem de ônibus é cheia de cinestesias e vibrações; a atração de um autista por água;as emoções de um bipolar.  O que precisamos fazer é nos despojar de preconceitos e nos abrir para o que o outro tem a nos contar. É a diversidade que faz nossa Humanidade tão linda. Não há só um jeito de ser Humano...há vários! Aparentemente somos bem diferentes, mas na verdade somos é muito iguais!


DESDE LA DIS-CAPACIDAD HACIA LA DIVERSIDAD FUNCIONAL
Un ejercicio de Dis-Normalización
Susana Rodríguez Díaz, Miguel A. V. Ferreira

Divertad: libertad y dignidad en la diversidad
Alejandro Rodríguez - Picavea

Ambos facilmente encontrados no google

1-https://www.psicologiamsn.com/2012/06/conceito-patologizar-hillman-1.html



Capacitismo parte 1- Intersecção


Para quem ainda não sabe do que se trata capacistismo, eu resumi os pontos que eu considero serem os mais importantes para se compreender o assunto. A ideia de capacitismo vem da sociologia e está intimamente relacionado a outras formas de discriminação, como o racismo e a transfobia. É muito provável que você já tenha ouvido falar em um desses conceitos, todavia o capacitismo ainda é não é tão popular. Dividirei a postagem em três partes: nesta primeira falarei sobre as relações entre capacitismo e outras formas de discriminação, depois um pouco sobre a história do capacitismo e na terceira parte sobre sua relação com a gagueira.


Dicionario
Capacitismo é um termo utilizado para descrever a discriminação, opressão e abuso advindos da noção de que pessoas com deficiência são inferiores às pessoas não portadoras de deficiência. Inclui, desta forma, tanto a opressão ativa e deliberada (insultos, considerações negativas, arquitetura inacessível) quanto a opressão passiva (como reservar às pessoas com deficiência tratamento de pena, caridade, inferioridade).
http://www.dicionarioinformal.com.br/         --Não achei a definição em outro dicionário.


Capacitismo é a forma de discriminação ou preconceito contra indivíduos com deficiência física, mental ou de desenvolvimento, sendo caracterizada pela crença que esses indivíduos necessitam ser ajustados ou não podem funcionar  plenamente como membros da sociedade (Castañeda & Peters, 2000)1. Como resultado desses pressupostos, pessoas com deficiência são vistas como anormais, ao invés de serem percebidas como pertencentes a um grupo minotirário.


O capacitismo está para as pessoas com deficiência o que o racismo está para os negros, o que machismo está para as mulheres, o que heterossexismo está para a homossexualidade. Trata-se de grupos historicamente oprimidos no Brasil. Mas o que é opressão?


-É a negação de direitos, discriminação sistemática, é uma relação entre diferentes grupos sociais, na qual um grupo sai privilegiado, em detrimento de outro. É algo que vem de instituições de poder que se internalizaram dentro da sociedade e foram construídas socialmente. Opressão, diferente de preconceito, está longe de ser algo vindo do individual, mas sim do estrutural. É quando por motivos políticos, religiosos, etc., a sociedade inteira vai contra uma pessoa pelo simples fato dela pertencer a um grupo minoritário . Opressões formam classes hierárquicas, onde um tem poder sobre o outro e, consequentemente, indivíduos nascem e crescem com privilégios, já outros são absurdamente  prejudicados por tais e privados de qualquer direito2


Preconceito é quando não se conhece algo, ou se faz um julgamento precipitado.
Estamos mais acostumados a escutar sobre preconceito contra diferentes grupos, porém preconceito e opressão são coisas distintas.

Ao analisar historicamente a vida das mulheres, dos negros, dos homessexuais, dos transsexuais e dos surdos por exemplo, fica evidente que estes grupos de pessoas foram marginalizados por um sistemas de crenças e atitudes por toda a sociedade a que pertenciam, restringindo  seu pleno desenvolvimento pessoal. Qualquer um que quisesse (ou queira) romper com os que lhes era imposto teria que enfrentar a desaprovação da maioria (se não todas as pessoas) a sua volta. Socialmente, espera-se que essas pessoas correspondam à determinadas expectativas. Assim, antes da luta das mulheres pelo direito a voto (movimento conhecido como sufragista, esta eram excluidas do  direito ao voto, e caso uma quisesse participar da vida política, seria ridicularizada e penalizada. Um negro que quisesse estudar medicina no Brasil colonial, igualmente seria ridicularizado e impedido de acessar a academia. Dois homens que queiram viver juntos e demonstrar seu amor em público ou mesmo viverem juntos ainda hoje enfrentarão repressões. É algo a nível de sociedade. intimimamente ligado a opressão de grupos, a opressão é um mecanismo de  manuntenção de privilégios das classes dominantes/opressoras. Assim, a manuntenção da escravidão gerou riqueza e conforto para os brancos e a submissão das mulheres,garantiu a manutenção e perpetuação do patriarda até os dias atuais . As instituições de poder, dão o suporte necessário para que  isso ocorra: a escravidão era legal, escolas só para garotos, casamento civil só para pessoas de sexo oposto, os surdos devem ser oralizados e por aí vai.  Enquando as instituições,  pelo seu poder de normativização e disciplinarização,   garantem  a manuntenção do privilégio, o senso comum incorpora e opera as  relações assimetricas de poder, tendo como consequencia  a  desigualdade, de modo que aquele cujo direito foi negado reproduz  ideias como ‘mulheres tem vocação para o lar’, ‘homem foi feito pra ficar com mulher’, ‘negros tem aptidão para o trabalho braçal’, ‘isso é um castigo divino, você tem que aceitar’. Não é algo trivial questionar isso tudo, pois que exige mudança no modo de pensar, discordar de pessoas que querem impor os preceitos de sua religião (lembrando que o Brasil deveria ser laico) e principalmente, desafiar a manuntenção de privilégios.  
Todas as formas de opressão, ainda que se direcionem a diferentes grupos, exibem padrões comuns: o da exterminação do diferente, o da NORMATIVIZAÇÃO. A normativização dita o que é, e o que não é NORMAL, aceitável. Ela age através do explicitamente dito como pelo não dito, pelas expectativas criadas em torno das pessoas, e mesmo interveções como cirurgias plásticas e submissão a tratamento psicológico. Algumas pessoas se sentem tão desconfortáveis com sua aparencia física que se submetem à cirurgias para adequarem-se a um modelo de beleza para se sentirem valorizadas e desejadas. Garotos afeminados são frequentemente agredidos verbal e fisicamente e incentivados a assumirem comportamentos socialmente percebidos como masculinos mesmo que isso signifique reprimir sua expressão natural, gerando uma vida de infelicidade. Tudo o que desvia da norma aceitável deve entrar no modelo para ser aceito, se não está condenado a uma posição de inferioridade.  Como membros da sociedade incorporamos esses valores e os reproduzimos nas nossas relações com nós mesmos e com os outros.
Outra característica comum das opressões, é que elas tendem a operar atrevés de bionomios. Um que pertence à categoria privilegiada e outro que não pertence, geralmente sem intermediários. Por exemplo, ou se é macho viril, ou não. Ou se é mulher ou homem. São polos opostos, onde um polo tem privilégio sobre outro. Mas no mundo real existem intermediários que não se encaixam perfeitamente nestas categorias, tidas como ‘naturais’, gerando desconforto. As pessoas não gostam quando essas dualidades são desafiadas. Um hermafrodita desafia as categorias naturais de homem e mulher, um andrógino, injuria o que se espera da distinção clara entre os sexos. Um bissexual é chamado de indeciso porque pode transitar no binômio heterossexual-homossexual. No mesmo modo um gago, desafia a categoria porque ora se está, ora não se está gago. Fisiologicamente pode-se falar, mas não se fala. Esta inderteminação afronta o modelo binário e fixo. Mas a gagueira merece um tópico só pra ela :).


Homem
mulher
ou se é homem ou mulher
branco
não branco
quanto mais europeu e branco melhor
heterossexual
homossexual
ou você é hetero ou não é
capacitado (vidente, ouvinte, fluente)
deficiente(cego, surdo, gago*)
consegue ou não consegue
Ser humano
não humano

*A gagueira desafia esta dualiade estanque e previsível. Vou tocar neste assunto mais tarde

O grupo não privilegiado não tem as mesmas oportunidades que o outro grupo. Além disso o grupo não-privilegiado é visto como infeiror ao outro grupo, desumanizado, e por isso mesmo podendo ser até agredido. Assim, um grupo de garotos se permite atear fogo num mendigo de rua; um homem se permite esfaquear um travesti; alguém se permite tacar pedras em candoblecistas; dá paulada em gay; judiar de paraprégicos; os nazistas faziam experimentos com judeus e a maior parte das populações ameríndias foram assassinadas dentro dessa lógica. Diminui-se a humanidade do outro para que se possa agredi-lo.
Um dia desses eu ‘tava pensando nos xingamentos no bom português brasileiro, pense nos palavrões mais comuns que você sabe. Todos eles atacam a coluna da direita (mulher, negro, homo, deficiente).
Os xingamentos marcam e inferiorizam a quem se destinam: Galinha, vaca e piranha- exaltam a prática sexual das mulheres. Um homem que sai com muitas mulheres não é inferiorizado, podendo até se sentir até se sentir orgulhoso de ido pra cama com 3 num grupo de amigos. Uma mulher que pega 3 num dia, vai ser imediatamente taxada de galinha. É uma relação desigual incorporada pela sociedade. Os xingamentos mais ofensivos pra um homem poderia ser ofender a sua virilidade, ‘brocha’, ‘covarde’, mais aí, se está atacando o que ele não tem, e não o que ele é. Viado, bicha (paneleiro para os leitores portugueses)-pretende ofender pela negação da  do modelo de  masculinidade hegemônico e reprimir os  comportamentos associados à ideias de feminilidade. Macaco, gaguinho, mudinho, perneta, e os outros xingamentos etiquetam pela inferioridade que se assigna a um determinado grupo. E como xingar um hetero pela sua heterossexualidade? Um branco pela sua brancura (porque a necessidade do termo afrodescendente?!) Um cissexual por ser cis? Um vidente por enxergar? Como a língua se adapta ao uso de seus falantes, neste caso não é instanânea a evocação de uma palavra ofensiva para aqueles grupos, e não marcam com o mesmo peso a quem se destinam. Interessante observar ainda que para xingar pode-se usar nomes de animais, agindo na lógica da desumanização. Assim, há quem suponha que o especismo (discriminação contra os não-humanos e o pressuposto que os animais são inferiores) permeia todas as outras formas de opressão. Se os animais não tem alma, como alguns dizem, tudo bem explorá-los (os africanos escravizados também eram desprovidos de alma na mentalidade da época). A elevação do” ser humano” a condição de ser evoluído que detém as formas mais superiores de existir, esta na raíz de todo o  especismo.
Olhe pra coluna acima e tente xingar alguem que esteja totalmente na linha direita e compare com  número de xingamentos você consegue ofender alguma da segunda coluna, e veja a grau de ofensa.


Como já dito, a relação desigual é naturalizada no senso comum sem ser questionada. A visão de mundo de um povo influência fortemente toda a maneira de interpretar os fenômenos a sua volta. Nem a religião nem a ciência (sim, nem a ciência, como mostra a filosofia da ciência e etnociências) estão imunes a estas influências, a suposição de neutralidade vai sempre na contra-mão do que écomplexo . Assim,  já houve pesquisadores que ‘provaram’ que as mulheres são menos inteligentes, a antropologia chamava as comunidades tribais de ‘primitivas’, a linguística acreditava que línguas indígenas e africanas eram inferiores às européias, a teoria heliocêntrica teve resistência em ser aceita, os primeiros modelos da teoria da evolução acreditavam que as espécies evoluiam em direção a uma ‘perfeição’ etc...  Tudo isso devido a influências culturais dos cientistas que eram refletidas na elaboração de suas teorias científicas. Desta forma, infelizmente a ciência e a religião (no caso ocidental as religiões cristãs especialmente) apoiaram os atos mais atroz da humanidade. Isto não significa que elas são inúteis, a religião tem seu papel e a ciência o seu, apenas quero realçar que ambas não fornecem verdades absolutas e que são passíveis de erros.


Aqui eu apenas citei os aspectos que eu considero serem os mais importantes para se entender o que é capacitismo. Eu aconselho fortemente vocês pesquisarem mais sobre em outro outros sites, se aprofundarem na história e fazerem observações críticas no seu dia-a-dia.
Finalizando então, capacistismo é o conjunto de práticas e atitudes internalizadas na sociedade que reprimem e subjulgam indivíduos marcados por alguma ‘deficiência’, regulando sua liberdade e privando-os de seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano.

1-Castañeda, R., & Peters, M. L. (2000). Readings for diversity and social justice (pp. 319–323)
2-http://www.festivalmarginal.com.br/social/opressao-x-preconceito-qual-a-diferenca/

Outros sites consultados:

Addressing Classism, Ableism, and Heterosexism in Counselor Education Laura Smith, Pamela F. Foley, and Michael P. Chaney
http://healthcareguild.com/presentations_files/Addressing%20Classism,%20Ableism,%20and%20Heterosexism%20in%20Counselor%20Education.pdf
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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Sotaque estranho


Via de regra desenvolvemos experiências negativas em relação à gagueira e temos lembraças negativas de momentos em que não conseguimos, ou mais frequentemente, não nos é dada a oportunidade e a tranquilidade de nos expressarmos, quer pelos outros, quer por nós mesmos. Falar outro idioma (ainda mais depois de uma certa idade) já é algo desafiador por si só, exige elaboração das estruturas gramaticais, acuidade auditiva e uma coisa que não nos é tão desconhecida: prestar atenção ao sons que se está produzindo. Eu procurei ler um pouco a respeito e algumas coisas parecem bater com o que eu experiencio. Quando se começa aprender uma língua, as vezes não se gagueja no começo, mas conforme se começa a dominar aquela língua os episódios de gagueira ficam mais frequentes. Isso acontenceu comigo com o inglês e com o esperanto. 
Ainda não é certo mas alguns estudos sugerem que crianças bilíngues são mais susceptíveis a se serem gagas e que a idade de exposição ao segundo idioma também excerça alguma influência, sendo o periodo até os 5 ou 6 anos mais crítico. Todavia, são muitos as variáveis envolvidas, como eventos associados com exposição à segunda língua (mudança de país, etc), o contexto em que a segunda língua é falada (com quem, onde) e por aí vai. O ponto é que há raros registros de pessoas que só gaguejavam em uma língua e não em outra, ou seja, seremos gagos em esperanto, english, français, español...
Conforme avançamos, ou já desde o começo, temos que nos acostumar a gaguejar com os fonemas novos daquela língua. Muitos gagos temem certos fonemas, por exemplo, eu não gosto de palavras que começam com A, tem quem não gosta de L, R, F e por ai vai. Quando vou falar em inglês, não gosto de palavras que começam com w, porque achava bizarro eu fazendo wowowowowowo, wawawawa ou wwwwww To me trabalhando pra não esquentar mais a cabeça com isso. Costumo prolongar o r também: rrrrrrrreaction, rrrrresponsabilty.
Felizmente, existem gagos em todas as culturas em todas as línguas, existe gente com falas desviantes por todo lado.Isto é, não estamos sozinhos. É mais confortável quando temos um modelo mais representativo...um gago estadunidense,um  japonês, uma gaga francesa, chinesa, russa :)
Depois que assisti um vídeo de uma estadunidense gaguejando no rrrrrrrrrrrrr, achei legal e não me preocupo mais tanto com isso. Já vi uns gaguejando no W tembém. Vi também uma francesa que repetia o de, du de..dans.., e nos un, un, un, un marécage achei legal, porque eu também costumo repitir essas palavras


Hoje um dos meus proximos desejos é ir num encontro internacional de gagos e ver como é *.*
Já aconteceu de gente perder o interesse em falar comigo quando comecei a travar, mas hoje interpreto como atitude capacitista ou de desconhecimento da pessoa. As vezes se to tentando praticar o francês, a pessoa me fala: You can speak in english
Gaguejei, não significa que eu não sei :P As vezes ao falar numa outra língua me coloco muita pressão pra falar rápido ou me exijo certa fluência.
Numa outra língua, é normal haver momentos de incerteza, hesitações, pausas, erros...soma-se a isso a gagueira e podemos ter orgulho de nós mesmos quando engajamos em uma conversa com um estrangeiro.


Pra quem nunca escutou, aí vai algumas amostras:
Hebreu
Russo